quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Deficientes e direitos sociais

1. – Introdução

A expressão Direitos Sociais tem um sentido demasiado amplo e ambíguo para que possa ser proposta para objecto desta reflexão sem previamente serem definidos os limites dentro dos quais nos queremos situar. Assim, esclarecemos desde já que essencialmente queremos referir-nos a Direitos Sociais específicos para deficientes, dado que é em relação a estes que as organizações de deficientes têm mais legitimidade para reivindicar e é relativamente a eles que se colocam questões ligadas à oportunidade da sua existência. Também não é nossa intenção exprimir opinião sobre determinados direitos em concreto e relativos a esta ou àquela deficiência; pretendemos tão-somente contribuir, ainda que modestamente, para a fundamentação teórica da justeza do reconhecimento de direitos sociais específicos para deficientes. Devemos alertar que não é tarefa fácil, dado que, se de facto existem alguns argumentos comuns que justificam a atribuição de direitos sociais específicos para deficientes, quase sempre a justificação está bem mais patente na razão de ser de cada medida legislativa concreta.

2. - Noção de direitos sociais

Comummente o termo Direito é entendido em dois sentidos. Algumas vezes referimo-nos ao Direito como sendo o conjunto de regras e princípios jurídicos que constituem o ordenamento normativo dum Estado ou de uma comunidade de Estados; é o Direito em sentido objectivo. Outras vezes com o termo direito queremos designar o poder que é reconhecido a uma pessoa de exigir o cumprimento de determinada prestação ou o poder que essa pessoa tem sobre uma coisa. Neste caso falamos de direitos em sentido subjectivo.
Os Direitos Sociais são direitos que pertencem a esta segunda categoria. De facto, podemos definir os Direitos Sociais como direitos de conteúdo económico que se traduzem em determinadas prestações devidas pelo Estado ou por outras Instituições à generalidade dos cidadãos ou a determinados grupos abstractamente considerados e atribuídos com o intuito de realizar a Justiça Social.
Não raramente são confundidos com os designados Direitos Humanos ou Fundamentais. Todavia, trata-se de uma realidade diferente, porque os Direitos Sociais resultam da outorga de determinados benefícios por parte do Estado aos seus cidadãos e, embora uma das finalidades do Estado seja a promoção do bem-estar daqueles que lhe estão ligados pelo vínculo da nacionalidade, a atribuição de mais e melhores Direitos Sociais, depende de múltiplos factores, designadamente o desenvolvimento económico do país. Digamos que o não reconhecimento de determinados Direitos Sociais, não resulta necessariamente numa violação da dignidade da pessoa humana. Os Direitos Fundamentais ou Direitos Humanos, são inerentes à natureza da pessoa humana. São Direitos originários e imprescritíveis, não têm origem em qualquer concessão por parte do Estado. São anteriores ao próprio Estado e constituem como uma reserva moral do homem.
Isto não significa que os Direitos Sociais sejam apenas meros benefícios sociais, cuja atribuição depende do livre arbítrio de quem governa. O Estado sempre terá a todo o momento de promover o bem-estar dos seus cidadãos, através de medidas de Justiça Social.

3. – Justificação dos direitos sociais

Os Direitos Sociais têm diferentes justificações consoante o regime político do Estado que os concede. Assim, nos regimes socialistas eles existem, ou existiam, em grande profusão porque o Estado, principal detentor dos meios de produção, encarregava-se de fazer a redistribuição da riqueza produzida em comum, através de prestações que muitas vezes assumiam a figura de Direitos Sociais. Nos estados socialistas os Direitos Sociais aparecem como uma consequência normal do sistema. O Estado paga as limitações que impõe à iniciativa privada.
Nos regimes liberais ou capitalistas os Direitos Sociais apresentam uma razão de ser diversa da que acabámos de referir. Nestes sistemas permite-se e incentiva-se a iniciativa privada; o Estado procura interferir o mínimo possível de forma a não alterar as regras da livre concorrência. No entanto, por razões de justiça e de coesão social, o Estado estabelece determinados limites mínimos que ele mesmo assegura se a iniciativa dos particulares não é bastante para satisfazer as necessidades dos indivíduos. Por exemplo, se alguém não tem capacidade financeira para recorrer à medicina privada, pode socorrer-se dos serviços de saúde pública.
A existência de mais e melhores "direitos sociais" está intimamente relacionada com dois factores: com a tradição jurídica do país nesta matéria e com o seu desenvolvimento económico. O Estado quando outorga aos seus cidadãos determinados Direitos Sociais não está a fazer mais do que redistribuir o que recebeu num primeiro momento através dos impostos. Daqui resulta que a existência de Direitos Sociais satisfatórios depende também de uma justa incidência fiscal.

4. – Direitos sociais específicos para deficientes

Importa agora saber se, consignados determinados Direitos Sociais para a população em geral, podem ou devem haver grupos restritos que beneficiem de direitos específicos sem que estes assumam a natureza de privilégios de classe.
As pessoas com deficiência, por virtude da incapacidade física, sensorial ou mental de que são portadoras, estão sujeitas a determinadas limitações que, objectivamente consideradas, variam segundo o tipo e grau de deficiência. Razões de justiça e solidariedade social impõem que os custos destas limitações sejam em parte suportados pela sociedade em geral, através da criação de mecanismos legais susceptíveis de proporcionarem igualdade de oportunidades para todos ou destinados a garantirem certas prestações com carácter compensatório.
Em resumo, os Direitos Sociais específicos para deficientes não são quaisquer privilégios concedidos a um grupo de indivíduos, nem sequer medidas de beneficência atribuídas a cidadãos menos protegidos pela sorte; são antes medidas compensatórias da deficiência, destinadas a combater disfunções sociais. Por isso consideramos insensata a atitude de alguns deficientes que entendem a atribuição destes benefícios como uma medida negativa porque torna mais patentes as diferenças entre os deficientes e os outros membros da sociedade. Obviamente que nem todos os benefícios que muitas vezes se reivindicam têm razão de ser; no entanto, aqueles que consideramos justos não vêm pôr em evidência as nossas diferenças; pelo contrário, vêm contribuir para que seja possível a existência de condições objectivas que tornem viável uma verdadeira integração social.

5. - Direitos sociais específicos por tipo de deficiência

Reconhecida que está a justeza da existência de alguns benefícios sociais específicos para as pessoas com deficiência, interessa agora saber se esses benefícios devem ser iguais para todos ou, pelo contrário, devem apresentar-se em quantidade e qualidade diferentes, segundo o grau e o tipo da deficiência.
As mesmas razões de justiça social que justificam a existência de Direitos Sociais impõem também neste caso que, em regra, os direitos sejam diferentes quer segundo o grau, quer segundo o tipo de deficiência. Por razões de justiça social devem ser diferentes em quantidade, ou medida, tendo em consideração o grau da deficiência; por questões de especificidade de cada deficiência devem ser diferentes em espécie. De facto, os grandes deficientes não podem ser considerados nas mesmas circunstâncias que os menos deficientes e, o que é prioritário e essencial para um deficiente visual pode ser supérfluo para um deficiente auditivo.

6. – Conclusão

Concluiremos dizendo que aos deficientes devem ser atribuídos benefícios sociais para além dos que são reconhecidos à generalidade da população; estas medidas sociais específicas não são privilégios, mas antes medidas compensatórias da deficiência, destinadas a criar condições objectivas para uma verdadeira integração social e a satisfazer exigências de justiça social; por estes motivos, mais importante que conceber medidas genéricas para todos os deficientes, as quais por razões de especificidade de cada deficiência aproveitarão sempre mais a uns do que a outros, correndo-se assim o risco de aplicação de duvidosos critérios de justiça social, é diagnosticar as necessidades essenciais de cada deficiência, satisfazendo-as com medidas adequadas. É na proposição destas medidas que as organizações de deficientes devem assumir um papel de relevo.

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